quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A casa do Samito

Casa da família Nhamposa, em Salela - Inhambane

Sou um grande privilegiado! Assim começo esse post como forma de agradecer pela sorte de ter conhecido o Samito, um moçambicano mais ou menos da minha idade que trabalha como servente no Backpacker onde me hospedei na praia do Tofo. Sua grande simplicidade e aquele sorriso maior do que seu próprio rosto fizeram de nós grandes amigos em poucos dias.

Enquanto essa amizade se formava, crescia em minha mente uma ideia que me acompanhava desde que cheguei à Moçambique. Apesar de lindos, eu acreditava que os lugares em que eu havia estado eram muito turísticos e não retratavam a realidade do país que eu tanto queria conhecer. Sendo assim, comecei a perseguir o plano de morar por um tempo na casa de uma família de verdade, vivendo e entendendo a verdadeira vida moçambicana.

No começo Samito ficou um pouco resistente em me oferecer hospedagem por ter vergonha em mostrar sua casa e as condições em que vive. Para a minha sorte, com o tempo ele passou a entender minhas intenções e oficializou o convite.

Samito, meu novo grande amigo
Não poderia ter sido melhor! A familia Nhamposa mora em uma espécie de aldeia à beira da estrada no bairro de Salela, em Inhambane. Aquelas simples casas de palha dão lar à 12 pessoas entre mãe, pai, filhos, noras e netos. A renda familiar não chega a 6 mil Meticais (U$200) e a comida que vai à mesa, vem em grande maioria da "machamba", nome usado aqui para a horta da própria família.

Apesar de conhecer a pobreza no brasil, nunca, nem de perto eu havia visto condições como aquelas. Não posso chamar de miséria pois não lhes falta comida ou moradia, mas a estrutura fica muito longe das condições que consideramos básicas para se viver. Na casa, não há água encanada, gás ou energia elétrica, o que apenas me fez falta na hora de carregar o celular e o computador.

Porém, sem qualquer demagogia, tamanha pobreza passou despercebida em meio a tanta hospitalidade. Me trataram como se eu fosse um dos filhos, me oferecendo tudo, inclusive o carinho que era dado a todos os outros. Sem mais nem menos!

"Mama" Cecília pronta para mais um dia de pesca
A chefe da casa, quem eu carinhosamente passei a chamar de "Mama", é a dona Cecília. Nascida e crescida naquelas terras ela é um exemplo da (controversa) tradição moçambicana, na qual a mulher é responsável pelo trabalho pesado, enquanto o homem muitas vezes fica com a parte mais fácil. Ela é quem planta, colhe, cozinha, pesca, limpa e prepara as crianças. Sempre com o sorriso gigantesco no rosto.

Seu Manuel, com 64 anos, esta longe de ser um preguiçoso. Assim como a esposa, ele também se mantém sempre ocupado, seja trançando folhas de coqueiro para vender (normalmente usadas para construção de casas) ou estudando. Apesar da pouca educação oferecida em sua época, o "papa" é incrivelmente culto e dessa forma, esta sempre envolvido nas causas da comunidade, tentando ajudar as outras pessoas. Parte do seu tempo, ele dedica ao sonho de fundar uma igreja metodista na comunidade, para dessa forma, dar ainda mais assistência ao povo local.

Entre os irmãos, Samito tira uns trocos com o trabalho no Backpacker, já Pai (nome do irmão de 17 anos) faz uns bicos como pedreiro e Luiz, o mais velhos dos irmãos tem uma banca de artesanato na beira da estrada que, infelizmente, quase não vende. Quando a colheita e a pesca são MUITO boas, é possível complementar a renda da casa com a venda de alguns peixes ou vegetais.

O que particularmente não me fará esquecer tão cedo aquele lugar é o time de crianças com quem passei a maior parte do tempo. Os irmãos Anádio e Iasaldi, juntos com os primos Bêne e Nogueira formam um time de bagunceiros que, quando não estão dormindo, estão provavelmente jogando bola, dançando ou simulando lutas ninjas. Figuras que, apesar de pequenos, ficaram meus grandes amigos. Era como se eu fosse um deles, fazendo tudo o que eles faziam e rindo o tempo todo com tantas palhaçadas. As netas, Neina e Melissia, por quem fiquei apaixonado, são as princesas da casa que completam o time das crianças.

Eis os ninjas: Nóbrega, Iasaldi, Anádio e Bêne
A nossa rotina não tinha nada de glamurosa, mas aquela vida simples era mais do que confortável para mim. Quando acordava, normalmente muito mais cedo do que sempre acordei em minha vida, já podia ouvir os meninos do lado de fora da minha cabana esperando para que eu acordasse. Dali passávamos para apanhar um côco e algumas mangas no caminho para a primeira "refeição" do dia. Essas duas coisas eram tão abundantes que pereciam nunca acabar!

Logo, uma esteira de palha era estendida no chão de areia, dando sinais de que a hora do chá estava por vir, servido com batata doce todas as manhãs. Tudo era tirado da própria plantação e dali apenas o açúcar era comprado. 

A esteira voltava ao chão mais duas vezes no dia. Uma para o almoço e outra para o jantar. Toda vez que isso acontecia, me vinha um friozinho na barriga, já que esse era um dos momentos mais bonitos do nosso dia. Ali, sentados a volta da esteira ficávamos todos comendo, nos olhando e de vez em quando fazendo algum comentário que fazia todos caírem na risada. Aquilo fazia eu me sentir completamente em casa, como parte da família.

Melissia, a princesa da casa
No almoço e no jantar era normalmente servido arroz e caril, um creme que cada dia levava um sabor diferente, seja caranguejo, peixe ou matapa (folha do feijao Nhemba).

O resto do dia era preenchido por muitas brincadeiras com os meninos e pelas funções da "mama", as quais eu fazia questão de ajudar (ou talvez atrapalhar). Nos dias em que ali morei, ajudei na pesca, na machamba e também hora de buscar água no poço, o que normalmente era função das crianças.

Como não havia luz elétrica, não havia muito o que se fazer depois que o jantar se acabava. Perto das oito da noite, aos poucos iam todos se recolhendo aos seus dormitórios.

Foram apenas quatro dias, mas foi o suficiente para me deixar com saudade antes mesmo de me despedir. Aquela vida simples me ensinou que só sentimos falta daquilo que conhecemos. Não existe a possibilidade de se pensar na frase "eu não poderia sobreviver sem o meu I Phone" em uma família que não tem nem roupa para vestir sem precisar repetir as mesmas por vários e vários dias. Como dizia o seu Manuel, "as crianças não reclamam da falta de pão na hora do chá porque cresceram assim, comendo batata doce".

Aquilo fazia todo o sentido para mim e, aos poucos, até mesmo eu comecei a me apaixonar por aquela rotina.

Dali, apenas o banheiro é algo que eu evitaria se pudesse. Tentei e tentei segurar, mas sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que me render ao buraco no chão coberto por toras de madeiras e cercado por paredes de palha. Que desafio!

Tenho certeza que aqueles quatro dias me fizeram ver aquela rotina de forma um tanto diferente do que realmente possa ser. Para alguém que cresceu assistindo desenhos na TV a cabo, como grande parte da classe media brasileira, soa como uma grande experiência viver sem luz ou água por um tempo, mas para eles essa já não é mais uma grande aventura há muito tempo.

Quem nunca teve acesso a qualquer tipo de tecnologia, faria tudo pela oportunidade de ter coisas que nós nem temos e nem mesmo damos valor. E eles merecem isso! Merecem ser vistos e ouvidos, para que recebam direitos mínimos, como luz, água e saneamento. Algo que, infelizmente, ainda parece estar distante e custar muito mais do que eles podem pagar.

Todo o carinho que recebi naqueles dias, tentei retribuir da melhor forma possível. Comprei 10 kilos de arroz, 2 litros de óleo, 2 kg de amendoim, sabão, chocolates, cadernos e brinquedos para as crianças. Foi o que meu baixo orçamento permitiu que eu fizesse como agradecimento. Mas ainda assim, sinto que é pouco, perto da maravilhosa recepção que tive.

Deixo aqui meu grande obrigado ao Samito e a família Nhamposa pelo maravilhoso tempo que passamos juntos. Agradeço por me lembrarem o quão boa é a vida simples e por me ensinarem que não precisa ser rico para ser feliz e ajudar as pessoas. Deixo essa casa, após quatro dias, como um ser humano muito melhor e, do fundo do meu coração, espero vê-los novamente!




3 comentários:

  1. Rodrigo, simplesmente EMOCIONANTE! Obrigada por compartilhar! Linda e rica experiência! Beijão KáMaria

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  2. Olá Rodrigo, gostei demais do vídeo.
    Te enviei um DM no Instagram, se puder visualizar o Yazalde e eu agradecemos.

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