segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

E a aventura começou…


Começou e começou a pé. Poderia ter sido de carro, ônibus ou avião, mas foi andando que entrei no pais que em vou morar pelas próximas seis semanas. O ônibus que saiu de Johannesburgo, na Africa do sul, em direção à Maputo, capital daqui de Moçambique, já dava sinais que protagonizaria uma longa viagem, antes mesmo que ela começasse. Foram duas horas de atraso antes de deixarmos "Joburgo", e quando chegamos à fronteira, encontramos o maior e mais louco congestionamento que já vi. A impressão era de que todo os sul-africanos estavam indo na mesma direção para passar as festas de natal e ano novo. Um congestionamento tão intenso que, entre seis e dez da manhã, não havíamos avançado nem mesmo um metro. 

O caos fez com que eu e o Hans, um amigo da Bélgica que tinha conhecido na rodoviária, tivéssemos a mesma ideia.  Soava muito bem o plano de deixar o ônibus para trás e seguir caminhando até a fronteira para adiantar os processos do visto, já que entre todos os passageiros, nós éramos os únicos que precisariam passar por isso. Dessa forma, poderíamos deixar tudo organizado sem perder o ônibus que já havia dito que não nos esperaria. "Sounds good!"

Seria o plano perfeito, e no final das contas até foi, mas após andarmos por uns quinze minutos descobrimos que havíamos saltado do ônibus cedo demais. Ainda restavam cerca de 10 km para a fronteira e já não fazia mais sentido voltar e ficar no ônibus sem fazer nenhum avanço.

Posso dizer que aquele foi o meu primeiro contato com a Africa de verdade. Até então, os dois outros dias no país se resumiram a aeroportos e horas descansado no hotel. Mas ali estávamos, Hans e eu caminhando por horas no meio de milhares e milhares de carros, todos provavelmente fabricados antes de 1990 e "decorando" o meu caminho com uma fumaça preta, que fazia eu me sentir dentro de um Malboro vermelho (sem filtro). O sol das dez da manha também não dava mole nem por um segundo, mas o cenário era tão legal que nem pensei em reclamar. Dentro dos milhares de carros, não havia uma pessoa que não olhasse com certa curiosidade para os únicos brancos (como infelizmente me veem) por ali. Nós, por outro lado, respondíamos ao olhar com a mesma ou até uma maior curiosidade.

Moçambique já foi por anos o pais mais pobre do mundo (principalmente nos tempos da guerra civil entre 76 e 92) e hoje ainda vive em uma situação de grande pobreza (ainda entre os quatro últimos do ranking de IDH em 2011), apesar do significativo desenvolvimento nos últimos tempo. Esse fato explica uma das principais características daquele transito. A pouca produção local e o difícil acesso de mercadorias cria um custo de vida muito caro. Para economizar, os moradores são obrigados a cruzar fronteiras até mesmo para comprar os alimentos mais básicos como cebola, ovos e batata.  Esses três ingredientes por sinal, dividiam espaço em praticamente todos os carros, com muitas, mas muitas outras bagagens como colchões, geladeiras, cachorros, bicicletas e normalmente outras pessoas espremidas pelos porta-malas. 

Chegamos à fronteira após duas horas de caminhada e alguns trocados gastos em águas, refrigerantes e frutas pelo caminho. O lugar sem muita estrutura e organização dava pistas de que os procedimentos não seriam lá tão normais. 

Eu estava apreensivo por ter esquecido no ônibus o meu comprovante da vacina de febre amarela, que segundo eu acreditava, seria fundamental para a minha entrada no país. No final, acabaram nem me pedindo nada além do meu passaporte e um pequeno formulário preenchido. A hora de pagar era o que realmente importava. Hans, que não tinha nenhum dinheiro local teve pagar 100 dólares americanos, já que o agente "não tinha troco" para cobrar apenas os 87 dólares da taxa. "Buuuuulshit", como falamos discretamente um para o outro quando ele virou as costas pela primeira vez. Aquilo soava claramente como um "gato" para conseguir um extra de uns gringos que não tinham mais paciência para longas discussões. 

Depois disso mandamos um "high-five" para comemorar a missão cumprida, pois teoricamente seria só esperar pelo ônibus por no máximo uma ou duas horas e o nosso plano teria sido perfeito. 

"Teria", se não fosse ter ligado para o motorista dez horas depois para descobrir que ele ainda estava no mesmo lugar que havíamos deixado o ônibus. O pior de tudo, com as nossas bagagens!

Foi só uma questão de tempo para descobrirmos que não iríamos esperar. Ligamos para um amigo local do Hans, que foi nos buscar e garantiu nossa chegada em Maputo a meia noite de sábado, 24 horas depois da partida. Os demais passageiros não tiveram a mesma sorte, chegaram dez horas depois de nós.

Porem o fato de ter chegado só me deixava ainda mais preocupado. Um dos principais motivos que me fizeram vir para a Africa foi a vontade de trabalhar de forma voluntária com crianças e ao mesmo tempo entrevistar pessoas e editar alguns "mini-documentarios" em video, plano eu que jamais poderia realizar se algo acontecesse as minhas bagagens (incluindo câmera e computador), que no momento estavam bem longe de mim.

Todos que me ouviam comentar sobre a historia da bagagem me respondiam com uma cara de "ihhh", dizendo que "se as coisas somem por aqui, mesmo quando estamos do lado delas, imagine estando longe". Conversas que não me deixaram nada confortáveis durante toda a noite, mas por sorte, MUITA SORTE, cheguei ao escritório da operadora do ônibus esta manhã e lá estavam as minhas duas malas intactas, uma com a câmera e outra com o computador, minha prancha e o meu skate, que sentimentalmente valem muito mais do que os dois outros objetos.

Ufa! Agora tudo o que me restava fazer era sacar a grana do "taxiseiro", como eles chamam por aqui, ir para casa tomar um banho e finalmente descansar. 

Todo esse "perrengue" teria sido suficiente para qualquer um, mas não para mim, o "azarado mais sortudo do mundo".

O grito de "MEU DEUS, COMO EU SOU BUUURRO" saiu voluntariamente da minha boca quando vi que havia esquecido o cartão de credito no caixa eletrônico, quando saquei o dinheiro para o taxista, há uma hora e uns bons km de onde eu estava.

Teria sido a segunda vez em uma semana, sendo que o meu mais importante cartão, eu tinha perdido em Bali no dia do embarque para a Africa. Mas ali estava a sorte, mais uma vez ao meu lado, passando a mão nessa cabeça, que como diz a minha mãe, eu só não esqueço pois esta grudada no pescoço! Cheguei no caixa e lá estava o cartão, no bolso do segurança que o encontrou logo depois que eu sai. Viva o otimismo, fazendo tudo dar certo para mim!!

Deixei uma grana para o cara, fui almoçar e finalmente pude descansar e refletir sobre as últimas horas. Delas ficam lições muito importantes, para deixar de ser IDIOTA e ficar perdendo coisas o tempo todo e ainda mais importante, amizades muito boas e providenciais para o contexto dessa viagem.

Hans, o belgo do ônibus mora no Congo, trabalha em uma ONG fazendo projetos de proteção, assistência e educação a comunidade local. As horas de conversa me renderam ótimas dicas e ideias para os trabalhos que procuro fazer.  Marco, o Moçambicano, amigo do Hans conhecia todo mundo por aqui e além de salvar minha pele com a carona, me trouxe ao único backpacker que ainda não estiva lotado. E finalmente a Carolina, francesa, namorada do Marco e também amiga do Hans, que já mora aqui há algum tempo e parece ser super envolvida com projetos voluntários. Uma das dicas que ela me deu pode ser a peça chave para a minha viagem. Ela falou sobre uma instituição em Inharrime, um povoado no meio do nada há algumas horas daqui, que aparentemente atua como orfanato e escola para cerca de 100 crianças.

Agora, depois de toda a aventura, amizades e informações coletadas nas últimas horas, posso estar a um passo, ou a um "google" de encontrar o projeto em que vou atuar pelas próximas semanas. Ligarei para essa instituição, recomendada pela Carolina, esperando ouvir que serei bem vindo para ajudá-los, filma-los e entrevistá-los pelos próximos dias. Vou torcer!

Enquanto isso, fico com o sentimento de que, após passar 10 meses na Australia, um lugar super desenvolvido e também alguns dias na Indonesia, um paraíso completamente turístico, a verdadeira aventura esta apenas começando!! E tudo que eu quero e vivê-la!!

Um comentário:

  1. Nossa! Que aventura essa ida! Que coragem! Esquecido você, quase nada hen Rodrigo! Beijos

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